18 de outubro de 2013

O NOME DA CRISE É O PODER MILITAR, Sebastião Nery: Câmara Federal. Brasília. 1984.

O opúsculo reproduz o discurso pronunciado na Sessão de três de maio de 1984, pelo deputado (PDT) Sebastião Nery.

‘Com a história não se brinca. Ela acaba passando, como um trator, por cima dos que não têm a audácia de construí-la, ou, pior ainda, daqueles que tentam caminhar na contramão. E a contramão da história é o velório do amanhã’.

O escritor-deputado Sebastião Nery, da tribuna da Câmara dos Deputados, tece uma crítica histórica sobre a presença do militarismo na política brasileira. Inicia com a proclamação da república, citando o jornalista Aristides Lobo, ‘o povo assistiu a tudo bestializado’; depois da proclamação, o Deodorismo; o Movimento Tenentista, 1922 e 1924; a dissidência dos tenentes, a Coluna Prestes, em 1925; a Revolução Liberal, em 1930, derrubando o presidente Washington Luiz e dando posse a Getúlio Vargas que havia perdido a eleição para Julio Prestes; A presença na militar na Revolução Constitucionalista de 1932; em 1937, no golpe do Estado Novo; Em 1945 na queda de Getúlio; 1954 na pressão que levou Getúlio ao suicídio; 1955, na tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira; 1961, na tentativa também de impedir a posse do vice-presidente João Goulart, com a renúncia de Jânio Quadros; e, finalmente, com o golpe militar em 1964, adiado por Getúlio com aquele tiro no peito.

Nery discorre sobre a função das Forças Armadas constitucionalmente, senão vejamos: Constituição de 1824 – ‘A força militar é obediente, jamais poderá se reunir sem que lhe seja ordenada pela autoridade legítima’; Constituição de 1891 – As Forças Armadas são essencialmente obedientes, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos, e obrigadas a sustentar as instituições constitucionais’; Artigo 162, da Constituição de 1934 - ‘Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais: Constituição de 1946 – ‘Destinam-se as Formas Armadas a defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais’; Constituição de 1969 – ‘Destinam-se as Forças Armadas a defender a Pátria e garantir os poderes constituídos. Uma observação do deputado: ‘Isto é inteiramente diferente. Então os militares que fizeram a República assumiram perante a Nação o compromisso de garantir os poderes constitucionais. Os militares que fraudaram a República mudaram: não se trata mais de garantir poderes constitucionais, trata-se de garantir os poderes constituídos. Poder constituído é o poder do poder'.

A pedra angular do discurso de Nery era a forma truculenta com que o Gen. Newton Cruz executava as ‘medidas de emergência’, em Brasília, quando das manifestações e votação da emenda constitucional das diretas-já. Para o deputado o grande problema nacional naquele momento era o problema militar, o problema do poder militar. ‘Hoje, todo coronel quer ser general, todo general quer ser ministro, quase todo ministro quer ser presidente da república’, e arremata: ‘Que garantia, temos nós, da paz, da concórdia, da conciliação, se no Palácio do Planalto há quatro militares e um civil, que é o escriturário dos quatro militares, o ilustre Ministro Leitão de Abreu'? O deputado referia-se ao presidente da república Gen. João Baptista de Oliveira Figueiredo, os três ministros militares (exército, marinha e aeronáutica) e o chefe da casa civil, ministro Leitão de Abreu, que não era militar.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

14 de outubro de 2013

JÂNIO E A PETROBRÁS, José de Bálsamo: Fulgor. São Paulo. 1960.

Documentos decretos da política brasileira

A Petrobrás foi criada pelo presidente Getúlio Vargas através da Lei 2.004, de três de outubro de 1954, estabelecendo o monopólio estatal do petróleo para a exploração, refinação, transporte e lavra do petróleo. Foi constituída como empresa sociedade anônima, possuindo o Estado mais da metade do número de ações.

Em 1959, o faturamento da empresa foi de 37 bilhões de cruzeiros, aproximadamente o orçamento do Estado de São Paulo, no ano anterior; a capacidade de produção de asfalto na usina de Cubatão foi de 116 milhões de toneladas anuais, uma produção maior que o consumo nacional; a produção de fertilizantes (adubos) foi de 100 mil toneladas; Em 1957 a produção americana era de 12,1 barris de petróleo por poço/dia, o Brasil 261 e a Venezuela 175,9. Em porcentagens do consumo nacional atendida pela produção nacional, gás liquefeito 73%, gasolina automotiva 79%, querosene 57%, óleo diesel 39%, óleo combustível 74%, asfalto 100%. A Petrobrás surge como a maior organização industrial do Brasil. Em 5 anos de funcionamento já era a 8ª companhia  de petróleo e derivados do mundo.

O que significavam esses números para o império ianque? Um alerta. As posições nacionalistas da era Vargas e as desenvolvimentistas de JK teriam que ser estancadas. Eleições se avizinhavam. Que melhor candidato poderia existir, senão aquele que tivesse ojeriza ao empreendimento estatal. Frear a Companhia Nacional de Alcalis, que já no ano de 1957, libertou o país da importação de diversos bens da indústria química pesada; frear a usina de Volta Redonda - símbolo de nossa industrialização com 2 milhões de toneladas de aço anuais; frear FNM – Fábrica Nacional de Motores – que iniciou a produção de caminhões pesados, produzidos aqui! Frear a ampliação da Usina de Paulo Afonso, de suma importância para o nordeste. Não foi difícil encontrar esse candidato!


Eu tenho verdadeiro pavor de todo empreendimento industrial que o estado dirija’. Com estas palavras o governador paulista Jânio Quadros, na leitura do autor, dava início a uma das maiores ofensivas jornalísticas contra o Estatismo e a Petrobrás.

O leitor poderá pensar’, assevera o autor, 'mas será que uma série de entrevistas terá ressonância que o autor quer atribuir ou ele está exagerando? A realidade é que não era uma campanha isolada e restrita a um só jornal, mas uma campanha de âmbito nacional, precisa e perfeitamente planejada’. Eram matérias pagas reproduzidas em diversos jornais brasileiros ligado aos trustes contra o Estatismo e a Petrobrás.

Solicitação de transcrição da entrevista de Otávio de Bulhões no jornal A Noite (27.06.57) ‘Os que pedem o monopólio estatal não confiam na força do Estado através do governo’, paga pela Cia de Carris, Luz e Força Société Anonyme Du Gaz.

Conclusões do autor:
1 – A campanha anti-estatista tinha a finalidade precípua de atingir a Petrobrás;
2 – Esta campanha era dirigida e financiada pelas companhias estrangeiras, mancomunadas com jornais nacionais, em defesa de seus incontestáveis interesses econômicos;
3 – A escolha de Jânio Quadros, ‘um dos grandes canhões contra a Petrobrás’, dava ao referido candidato, incontestavelmente, em virtude de sua posição política, a liderança do entreguismo no Brasil; e, finalmente,
4 – O apoio dado em entrevistas posteriores por Eugênio Gudin, Otávio de Bulhões, e outros, mostram que a ‘trouppe’ ainda é a mesma do senhor Café Filho.

Algumas supostas declarações do candidato Jânio da Silva Quadros sobre a Petrobrás, o Nacionalismo e Estatismo brasileiros que, segundo o autor, não foram desmentidas:

Esse nacionalismo, e principalmente, esse estatismo é uma grande farsa e uma grande chantagem’.

‘Esse negócio de Petrobrás no século da energia atômica, vai nos levar ao mesmo estado da Inglaterra com o carvão’.

 ‘Disse o Sr. Jânio Quadros que se fosse presidente da república acabaria com a Petrobrás’, Correio da manhã, 17/agosto/1958.

‘Um bom amigo do Brasil’, Jânio Quadros em entrevista à ‘United Press’ reproduzida em 4/junho/1959 pelos jornais brasileiros Correio da manhã e Diário de Notícias. Jânio na entrevista fazia referencia a Nelson Rockfeller, magnata da Standart Oil.

No ano de 1958, foi instituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as atividades políticas das multinacionais do petróleo Shell e Esso, durante os anos de 1956 e 1957, que conseguiu revelar a promiscuidade entre elas e os grandes jornalões brasileiros do Rio e de São Paulo. Em sua oitiva pela CPI o senhor Armando de Moraes Sarmento, presidente da Mc Cann Erickson, agência americana de publicidade que atuava no Brasil, revelou o valor das contas de campanhas publicitárias distribuídas aos jornais brasileiros, referente ao ano de 1957. 


Observem que o valor era repassado em valor unitário por exemplar, onde a companhia estrangeira desembolsava quatro vezes mais do que o leitor comum pagava na banca de jornal. E com um detalhe, os números não levaram em conta o lucro do jornaleiro que era de 30%. Qual seria o interesse de um investimento nesses moldes, e não, o convencional que é um espaço vendido em centímetros quadrado, onde os valores variam em conformidade com o espaço onde o anúncio e veiculado? Era o interesse da opinião da multinacional prevalecendo sobre os interesses da Petrobras, consequentemente, da sociedade brasileira, a verdadeira proprietária da Petrobrás.

As matérias veiculadas sempre criticando a intervenção estatal nos setores básicos da economia; defendendo intransigentemente a livre iniciativa; a participação de capital estrangeiro como alavanca para o desenvolvimento do país; condicionando o nosso subdesenvolvimento a questões de austeridade e moralidade, desviando a opinião pública das verdadeiras razões do atraso, a submissão a um modelo imperialista; o constante alerta ao perigo da infiltração comunista, ou a expansão do comunismo-nacionalista, e, defensores intransigentes da candidatura de Jânio Quadros. 

A análise se refere somente a uma multinacional das 1477 que atuavam no Brasil.

Qualquer semelhança entre o que é relatado por José de Bálsamo, na década de 1950 e 1960 do século passado, em Jânio e a Petrobrás e o atualmente pelos jornalistas Aloysio Biondi em Brasil Privatizado, Amaury Ribeiro em A Privataria Tucana e Palmério Dória em O Príncipe da Privataria, não se trata de mera coincidência. Não! São ações levadas a efeito por inescrupulosos apátridas que, mancomunados com os interesses estrangeiros se aliam à grande mídia para vender ou doar o Brasil.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br) 



13 de outubro de 2013

Janis Joplin, um recorte biográfico

Faltavam 88 dias para terminar o ano de 1970, no século passado. Quatro de outubro. Data que calava a voz inigualável da menina que havia estado no Brasil alguns meses antes, fevereiro, na tentativa de livrar-se do vício da heroína. Menina que foi expulsa do Copacabana Palace por nadar nua na piscina; que por sua maneira agressiva de vestir foi barrada por um segurança de uma escola de samba; que fez topless na praia de Copacabana; que se entregou ao roqueiro Serguei, que ainda hoje falto de caráter se promove utilizando-se esse encontro, pior, o faz com estampas em camisetas com frases chulas; menina que bebeu e cantou num bordel brasileiro; que não apareceu no estúdio para gravar. Uma overdose de heroína combinada com o efeito do álcool a calou para sempre. E com ela os temas de perda e de dor que marcaram canções como The Rose, que emprestou o nome ao filme baseado em sua vida. Antes dela Robert Johnson, Brian Jones, Jimi Hendrix, e depois, Jim Morrison, Kurt Cobain e Emy Winehouse. Todos aos 27 anos de idade. Todos com a mesma causa mortis: degradação biológica pela combinação de álcool e droga.

Janis Joplin - The Rose

Janis Lyn Joplin nasceu em 19 de janeiro de 1943, em Port Arthur, uma pequena cidade do Texas, EUA. Filha de um funcionário da Texaco e de uma secretária de uma faculdade local. Tinha dois irmãos, Laura e Michael, e desde cedo requereu mais atenção dos pais. Gostava de poesia e pintura, amava a música. Como quase toda cantora norte-americana iniciou carreira no coral de uma igreja. Uma adolescência quieta, introspectiva e solitária. Assim que as espinhas apareceram juntamente com a indiscrição da balança a rebeldia se fez presente, e com ela, roupas extravagantes bem diferentes do uso da época, indo desde camisas masculinas a curtíssimas minissaias, o que lhe fez vítima de bullling na escola. Além de rejeitada pelos colegas era chamada de porca, estranha, esquisita, promíscua. Assim que passou a cantar nos bares de sua cidade encarnou um personagem de menina durona, agressiva, encrenqueira, que gostava de beber e zoar as pessoas. Iniciou alguns cursos de graduação, porém, nenhum concluído. De crooner do Walter Creek Boys, trio formado na cidade de Austin, em 1963, partiu para a cidade de São Francisco. Ali, a extravagância chegou ao extremo. Bebia compulsivamente e usava drogas pesadas como a heroína. Vida desregrada e autodestrutiva. Chegou a ser internada. Em 1966 passou a integrar o grupo Big Brother & Halding Company, destacando-se no ano seguinte no festival de Monterrey como melhor intérprete na opinião do público com a música Ball and Chain, que lhe valeu as capas das revistas Time e Newsweek. Em setembro de 1970, a primeira mulher a quebrar paradigmas e fazer sucesso no mundo masculino do rock foi vista pela última vez em público, em sua cidade natal, quando da comemoração do décimo ano de formatura de sua turma do colégio. Ana Beatriz Barbosa Silva, faz uma referência a esta aparição em seu livro 'Corações Descontrolados - ciúmes, raiva, impulsividade: o jeito borderline de ser' - 'Ela estava ansiosa por aquele momento, para mostrar às pessoas que tanto a hostilizaram que ela era um grande sucesso'.


Janis Joplin em Monterrey - Ball and Chain

Porque eu não canto como as outras cantoras? Não sei, talvez porque não fique na superfície das melodias, porque eu entre na música, eu canto com a minha alma, com o meu corpo, com o meu sexo... Eu canto toda!’ declarou certa feita.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)


7 de outubro de 2013

OS GORILAS, O POVO E A REFORMA AGRÁRIA, Gondin da Fonseca. São Paulo: Editora Fulgor. 1963

Manifesto dos bispos do Brasil

Escrito em 1963, quando a sociedade brasileira discutia as ‘Reformas de Base’ propostas pelo presidente João Melchior Marques Goulart[i]. Dentre elas a reforma agrária. O cenário foi a inauguração da XXIX Exposição e Feira Agropecuária e a V Exposição Nacional de gado Zebu, em três de maio daquele ano, na cidade mineira de Uberaba, promovidas pela Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, posteriormente, Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, mais conhecida como ABCZ, à época, presidida por Antônio José Loureiro Borges.

O autor dá ênfase na capa do livro ao Manifesto dos Bispos do Brasil, publicado em primeiro de maio daquele ano, sob o guarda-chuva da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Todavia, o discurso do presidente Antônio José Loureiro Borges expressando o pensamento dos produtores rurais exigiu de Jango um pronunciamento. Uma posição pública sobre a proposta de reforma agrária levada a efeito pelo seu governo. E o presidente a deu. E de improviso. O presidente não levava discurso preparado. Ali, estava a expressão dos proprietários fazendeiros de um lado, e a do presidente reformista de outro. São duas falas de importância histórica para o entendimento do pensamento sobre a reforma agrária ao longo da história contemporânea brasileira, daí, a proposição de transcrevê-las.

Outros documentos como o Manifesto dos Bispos do Brasil, a mensagem do presidente da república enviando à Câmara dos Deputados o Anteprojeto de reforma agrária e o Anteprojeto em si, também foram adensados pelo autor, e que, dado suas importâncias históricas, estaremos publicando-os oportunamente.

Alguns recortes sobre a questão agrária publicados no Jornal do Brasil naquele ano:

12 de maio de 1963 – Em Minas não se sente a pressão dos campos em favor da reforma agrária, porque o problema atingiu, lá, proporções mais graves que em outros Estados: de 5 em 5 anos 1.200.000 cidadãos mineiros emigram para outras regiões, pela impossibilidade de penetrar, viver e trabalhar na estrutura agrária de sua terra, e mais fechada e desumana do país.

19 de maio de 1963 – Ao longo das três rodovias que construí no meu governo, criarei cidades que serão núcleos agrícolas. Na Brasília – Acre, em cada 80 quilômetros nascerá uma cidade, um núcleo ocupado por cerca de 16 mil habitantes. Na Brasília – Fortaleza e na Brasília-Belém, em cada quarenta quilômetros se fará a mesma coisa. Assim, como em círculos concêntricos, povoaremos o Brasil, fazendo as suas terras inexploradas produzirem. Ao mesmo tempo daremos assistência a lavradores, aumentando a rede de silos e armazéns e fornecendo transportes e adubos a preços acessíveis. Construirei, assim, em dois anos, 160 cidades, ao longo daquelas rodovias[ii].



[i] Conhecido como Jango.
[ii] Juscelino Kubitschek de Oliveira em campanha presidencial às eleições de 1965. Duas observações: a primeira de que o ex-presidente era dado como favorito nessas eleições, e, segundo, se no seu primeiro mandato privilegiou a industrialização urbana, neste segundo, o foco de seu projeto de governo era campo.

Trecho do discurso do presidente da Sociedade Rural do Triangulo Mineiro, Antonio José Loureiro Borges na inauguração da XXIX Exposição e Freira Agropecuária e a V Exposição Nacional de Gado Zebu, na cidade de Uberaba, em 1963.

Esta preocupação e esta intranquilidade se devem ao projeto de reforma agrária, ora em discussão no Poder Legislativo da República.

Esperamos confiantes e certos, hoje, em Uberaba, um pronunciamento de V. Excia., senhor Presidente, que também é homem do campo, um pronunciamento de conforto e apoio para a solução do atual problema.

Afirmamos a V. Excia. Que, se este problema aflitivo e angustiante para a classe rural for equacionado de forma satisfatória, mercê de Deus, caminhemos livres, propiciando à Nação uma ajuda eficaz e positiva.

No momento em que os espíritos mais exacerbados procuram destruir nossa tradição democrática, há necessidade de que os dirigentes responsáveis pelos destinos do Brasil fortaleçam nossas convicções no regime, que representa a única forma de vida livre.

É para nós, imperativo de consciência, a defesa das legítimas e justas reivindicações do povo e das classes que o compõem, desde que seja resguardada a liberdade, que é indispensável para a sobrevivência do regime democrático.

A discutida reforma agrária, através da reforma Constitucional, com relação aos artigos 141, parágrafo 16, e artigo 147[1], dizendo indispensável sua alteração para a aplicação de uma reforma agrária cujo conteúdo não está ao alcance da maioria, que não a entende, e nem sabe fazê-la aspiração autêntica, é matéria perigosa e arma de natureza eminentemente política.




[1] Os artigos 141, § 16 e 147 garantiam o direito à propriedade, e, em caso de desapropriação por interesse social, como a reforma agrária, o pagamento previamente depositado em dinheiro. A proposta de Jango era de que esse pagamento fosse feito em longo prazo e através de Títulos Especiais da Dívida Pública, pago pelo valor nominal declarado pelo proprietário ao imposto de renda; ou, o utilizado para recolhimento de impostos, e, finalmente, o estabelecido em avaliação judicial. 

Discurso do presidente João Melchior Marques Goulart na inauguração da XXIX Exposição e Feira Agropecuária e a V Exposição Nacional de Gado Zebuíno, na cidade de Uberaba – MG, no dia três de maio de 1963, às 10 horas.

Realmente, Uberaba pode considerar-se a legítima capital do Zebu de nosso País. Este município tem demonstrado o quanto deve o Brasil ao espírito abnegado do estado de Minas Gerais, Estado de tradições épicas desde os tempos do ouro e das bandeiras.

Permitam-me que evoque neste momento a figura de um grande brasileiro que tanto prestigiou outrora esta exposição e que foi um dos que mais lutaram, em nosso País, pelo desenvolvimento da pecuária, especialmente da pecuária de Minas, orgulho de nossa Pátria. Permitam-me os uberabenses que, nesta oportunidade, recorde o grande presidente Getúlio Vargas, estadista singular que nunca vos faltou com o seu apoio, com o seu estímulo – e que jamais deixou de amparar os pecuaristas de Minas, especialmente no que concerne à criação do Zebu, e isso numa hora em que poucos acreditavam no seu êxito.

Ouvi, com o maior respeito, as palavras do presidente da Associação dos Criadores deste município e do Triangulo Mineiro. Acreditai pecuaristas de Minas Gerais, que o governo federal, interessando-se, como agora o faz, por esta exposição, outro intento não tem senão o de prestigiar a classe rural, um dos fundamentos da economia de nossa Pátria. Anima-o tão somente o propósito de voz trazer uma palavra de estímulo, de fé e de confiança, homenagear aqueles que se dedicam à pecuária, atividade rural das mais antigas, das mais úteis e das mais patrióticas do Brasil.

Eu faltaria a um dever de lealdade a Minas – a Minas e a este País – se aqui respeitosamente, mas com franqueza não manifestasse minha discordância, neste instante, dos conceitos emitidos pelo jovem e digno presidente desta associação, quanto ao problema da reforma agrária. Deixarei bem claro o pensamento do governo federal sobre tema tão discutido. Não desejamos expropriar terras arbitrariamente, de uns, para entregá-las a outros; não queremos transportar para um plano de riquezas uma classe, esmagando outra que, com trabalho e sacrifício, construiu suado patrimônio. O que desejemos é, exatamente, fortalecer o regime democrático em que vivemos e que havemos de defender e preservar.

Um regime democrático, porém, não se fortalece com palavras e discursos. Fortalece-se transformando o estado num instrumento de defesa do povo, de defesa de suas justas reivindicações. Não é sistema estático, mas dinâmico. Há de marchar ao encontro dos anseios populares, atendendo às suas legítimas aspirações e constituindo, então, através desse dinamismo, a verdadeira paz, conseqüente da justiça social – justiça que todos desejamos e que nos empenhamos em conquistar, mas que jamais obteremos eternizando o privilégio de uns poucos à custa da miséria e das dificuldades da maioria.

Sinto-me perfeitamente à vontade para falar deste problema porque nasci camponês, sou homem identificado com a terra. Identificado de fato e não através de negócios realizados longe dela. Aos 15 anos já labutava lado a lado dos trabalhadores rurais e de meu pai, em todos os serviços próprios de uma fazenda. Sinto-me à vontade para dizer que a reforma agrária se há de processar em bases humanas e cristãs – mas se há de processar realmente para tranqüilidade da família brasileira, para que os trabalhadores rurais possam participar das riquezas da sua Pátria; para que os pobres tenham oportunidade de sair da pobreza; para que os servos da terra consigam um dia, afinal, ser donos dela. Hão de comprá-la, de pagá-la com o seu esforço. Ninguém pode negar ao trabalhador rural esse direito elementar de ter também o seu palmo de chão para produzir. Não se compreende que, num País da vastidão continental do Brasil, um pobre que se cansa dia após dia vergado sobre a terra não tenha, jamais, o direito de lhe chamar sua.

Eis a tese que defendo. Reafirmo que de nada adianta pretender uma reforma agrária sem modificar o texto constitucional. Iludiríamos o povo se lhe acenássemos com a possibilidade de fazê-la sem alterar a Constituição. Citarei apenas uma cifra e gravem-na bem no espírito os homens do interior. Cifra bem significativa: para expropriar apenas 10% das terras agricultáveis da nossa Pátria, precisaríamos de mais de dois trilhões de cruzeiros, importância que o governo, indiscutivelmente, não poderia pagar. Se o tentasse fazer seria à custa de uma inflação aterradora, a cujo impacto não resistiria nem mesmo as instituições democrática que defendemos.

Sabem os pecuaristas de Minas Gerais que qualquer reforma agrária obedecerá a um critério prioritário quanto às desapropriações. Nenhuma lei pode pretender desapropriar terras que estejam produzindo em termos econômicos, que estejam prestando benefício ao País. Neste caso, a propriedade deve ser preservada, os direitos de senhorio resguardados. Mas a terra há de ter, precipuamente, uma finalidade social. Não pode favorecer, somente, os que a possuem. Comporta, intrinsecamente, um sentido social, pois dela depende o bem estar da coletividade. Não há de beneficiar apenas os que por trabalho, por herança, por sorte ou por privilégio a possuem.

Ficai tranquilos  jamais concordaríamos com a expropriação pura e simples de terras. Jamais concordaríamos com o critério arbitrário de tomar a terra de quem a trabalhou para, simplesmente, a entregar a quem deseje trabalhá-la. O que pretendemos é que as terras improdutivas se integrem numa finalidade social. As grandes áreas localizadas junto aos centros de consumo precisam estar a serviço da coletividade e não, apenas, a serviço individual.

A reforma a que visamos, a reforma por que há tantos anos batemos, há de contribuir para que todo o povo brasileiro participe da riqueza nacional. Se assim não for, de que nos adiantará viver neste vasto território, território imenso, com áreas das mais férteis do mundo? De nada, meus patrícios, desde que o povo as não usufrua, desde que o povo delas se veja excluído, sentindo-se no meio em que trabalha um pária, um marginalizado. Respeitemos o direito do proprietário, mas que a propriedade adquira um alto sentido social, isto é, que preste serviço ao País, como instrumento atuante e democrático.

Falamos em pagamento em longo prazo porque o Brasil não teria condições de comprar terras pelo seu preço atual, liquidando os débitos à vista e depositando, previamente, as importâncias respectivas.

Ninguém deseja toma chão cultivado pelos seus donos. Esse será respeitado. O que não se pode respeitar é o latifúndio improdutivo, as verdadeiras sesmarias dos que vivem pensando em valorizações sem meditar que toda valorização, efetivamente, decorre de um processo social de que os camponeses participam. Que os ricos cedam, a tais valores humildes e anônimos, um pouco do que na verdade lhes cabe. Não cedam a partidos políticos, não cedam ao presidente João Goulart. Cedam ao povo brasileiro, à própria Pátria, para que a aristocracia agrícola se transforme, pacificamente, em democracia do campo.

Esse é o nosso pensamento. Nosso e não de partidos extremistas, estranhos à concepção cristã do povo brasileiro. Não defendemos ideologias contrárias ao sentimento cristão do nosso povo – sentimento que é nosso, que é vosso, terra sagrada de Tiradentes, que é o de todo o Brasil.

Quem hoje deseja a reforma agrária não são os partidos de esquerda, somente: é a própria Igreja Católica, através da voz mais autorizada do mundo – que é o chefe espiritual de todos nós, a voz do santo Padre, o Papa João XXIII.

Que o seu apelo foi ouvido, foi sentido aqui no Brasil, testemunharam-no ainda ontem os bispos brasileiros em manifesto à Pátria, pedindo, também, a reforma agrária que há tanto tempo vimos reivindicando.

Não são, portanto, os partidos políticos apenas: são os bispos brasileiros; são os homens que chefiam espiritualmente o nosso povo; são as massas brasileiras que acreditam na sua Igreja. São altos dignitários que, com responsabilidade, vêm dizer publicamente que a reforma agrária é indispensável à paz e à justiça social.

(palmas prolongadas)

Obrigado! Obrigado! Agradeço profundamente a manifestação de apreço que generosamente me dais e que sempre recebi deste bravo povo montanhês – povo que soube sela com sangue a independência do Brasil. Que o presidente da Associação Rural desta cidade e do Triângulo, e todos os ruralistas mineiros, recebam as minhas palavras como tributo e homenagem.

Eu não poderia vir aqui, Minas Gerais, sem traduzir outro pensamento que não fosse o do governo, expresso na mensagem que já tive a honra de enviar ao Congresso Nacional.

A reforma agrária já está encaminhada. O projeto que tínhamos o dever de enviar já se encontra no Congresso para que ele, na sua alta soberania, e com a sua independência, o examine à luz da realidade brasileira.  Para que o examine e, sensível como é as reivindicações das classes populares, decida depois, conscientemente, com a responsabilidade de quem está resolvendo um dos problemas mais graves do Brasil atual.

Agradeço mais uma vez às Associações Rurais de Minas. Inaugurando esta Exposição, verifico, de visu, a pujança extraordinária da pecuária mineira, que o governo deseja preservar e desenvolver.

Ainda há poucos dias, há três dias, determinei à Carteira Agrícola do Banco do Brasil que elevasse até 42 milhões de cruzeiros o teto para financiamento à pecuária e à agricultura. Cumpre-nos auxiliar os homens que vivem da terra, que a lavram, as semeiam e a fazem produzir.

Estes lavradores, grande ou pequenos fazendeiros, são em geral homens sensíveis às necessidades dos que com eles colaboram de sol a sol, ajudando-os a construir a grandeza de suas propriedades. Poderão estar tranquilos – repito – pois nenhuma reforma agrária atingirá propriedades produtivas que preencham a sua finalidade social.

Este pensamento eu o pero deixar expresso, Minas Gerais. Expresso com meridiana clareza. E quero, outrossim, congratular-me com o eminente governador deste Estado, que há pouco declarava apoiar uma alteração do texto constitucional que tornasse exequível uma reforma agrária capaz de atender realmente aos interesses vitais da nação.

Eminente governador Magalhães Pinto, os meus agradecimentos. Cidadãos de Uberaba, proprietários de terras, trabalhadores agrários, posseiros, modestos camponeses que ganhais o pão amargo e escasso com o suor do vosso rosto, aceitai as homenagens e saudações do governo federal. Povo generoso e bravo, jovens estudantes, vanguarda moça dessa cidade, os meus agradecimentos pela acolhida que me dispensais.

Ouvi emocionado, quando cheguei a esta Exposição, a palavra de um estudante, como porta voz de seus companheiros, pedindo a reforma agrária. As grandes reformas, as reformas de estrutura, de base, as reformas recamadas pelas multidões sempre se fazem e sempre se fizeram muito mais com o apoio delas, dos estudantes e dos trabalhadores, do que por iniciativa e decisão do presidente da república.

É necessário que o povo tenha consciência desta grande verdade histórica. Ele precisa participar de todas as riquezas do País e só participará quando vivificarmos o regime, transformando-o numa democracia, com alma atuante, dinâmica, que converta o Brasil, de paraíso de minorias privilegiadas, num País de trabalho honesto onde a todos se assegurem todas as oportunidades de progresso, todos os direitos humanos. Num País cristão, com fé e confiança em seu destino. Num Brasil, onde impere a compreensão, onde reine a fraternidade, onde os que são muito ricos se resignem a ser talvez menos ricos, mas os pobres, com a ajuda de Deus, se sintam menos miseráveis.


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

3 de outubro de 2013

O BRASIL PRIVATIZADO, Aloysio Biondi. Editora Fundação Perseu Abramo: São Paulo, 2003.

Um balanço do desmonte do Estado

O Brasil tem sido invadido por livros-reportagens denunciando os desmandos de governos pós-revolucionários/1964, como ocorreu na década de 50 do século passado pelas mãos de escritores como Gondin da Fonseca, Dagoberto Salles, Osny Duarte Pereira, Jocelyn Brasil, Olympio Guilherme, dentre outros. O ‘algo em comum’ entre eles é o denuncismo ao entreguismo levado a efeito pelos governos com o apoio da ‘grande imprensa’,

senão vejamos:

Eu compreendo perfeitamente a dor do Julinho Mesquita, por exemplo, dono do ‘Estado de São Paulo’, senhor de milhões, quando pensa nas fomes que passaria se tivesse de trabalhar para comer; as angústias do Paulo da Baiana, dono do ‘Correio da Manhã’, ao imaginar o que seria dele sem o seu jornal que lhe rende um oceano de uísque por mês; as ânsias do Chatô, dono das rádios e diários mancomunados, lendo o Código Penal e futurando o que sucederia à sua fétida carcaça paraibana se tivesse de submeter-se à lei; os prantos do Joãozinho Jabuti, dono do ‘Diário de Notícias’, calculando os pares de sapatos que teria de engraxar numa esquina para banquetear, uma só vez, em qualquer restaurante de luxo’. Texto extraído do livro SENHOR DEUS DOS DESGRAÇADOS, Gondin da Fonseca, 2ª edição, Editora Fulgor. São Paulo, 1958.

Tal como houve um PROER ‘real’, o Proer dos bancos, Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional, houve o chamado Proer da imprensa. Dinheiro oficial e mesmo privado, em montante jamais calculado, rolou para, principalmente, comprar o silêncio da mídia sobre ‘o filho de Miriam Dutra Schmidt com Fernando Henrique Cardoso’. Quase todos os veículos de comunicação investigaram o caso, mas não publicaram nada. Alegavam que era para ter e usar apenas se um concorrente os ‘furasse’. Isto lembra o ‘arsenal dissuasório’. Há bombas nucleares estocadas suficientes para destruir o planeta meias centena de vezes, mas não é para usar – é para ter, ‘olha que eu tenho a bomba’. E as publicações tinham cada uma, sua matéria sobre ‘o filho da Miriam com o FHC’. Não era para usar, era para ter – 'olha que eu tenho'. Texto extraído do livro O PRÍNCIPE DA PRIVATARIA – A história secreta de como o Brasil perdeu seu patrimônio e Fernando Henrique Cardoso ganhou sua reeleição -, Palmério Dória, 1ª edição, Geração Editora. São Paulo, 2013.

Houve uma intensa campanha contra as estatais nos meios de comunicação, verdadeira ‘lavagem cerebral’ da população para facilitar as privatizações. Entre os principais argumentos, apareceu sempre a promessa de que elas trariam preços mais baixos para o consumidor, ‘graças à maior eficiência das empresas privadas’. A promessa era pura enganação”. [...] Sem sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional às privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização das estatais e a ladainha do ‘esgotamento dos recursos do Estado’. Mais ainda: a sociedade brasileira perdeu completamente a noção – se é que tinha – de que as estatais não são empresas de propriedade do ‘governo’, que pode dispor delas a seu bel-prazer. Esqueceu-se que o Estado é mero ‘gerente’ dos bens, do patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto, a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, repita-se, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia 100”. Texto extraído do livro O BRASIL PRIVATIZADO, Aloysio Biondi, 13ª reimpressão, Editora Fundação Perseu Abramo. São Paulo, 2012.

Como explicar

O governo investir 21 bilhões de reais no setor de telefonia e vendê-lo por uma ‘entrada’ de 8,8 bilhões de reais financiando metade da ‘entrada’ a grupos brasileiros e o restante em suaves prestações mensais;

O governo estadual do Rio de Janeiro tomar como empréstimo junto ao governo federal 3,3 bilhões de reais para sanear o Banco do Estado, BANERJ, inclusive no enxugamento do número de funcionários e quitação de todo o passivo em direitos trabalhistas, e em seguida vendê-lo por 330 milhões de reais, isto é, 10 vezes menos que o gasto para saneá-lo;

A Companhia Siderúrgica Nacional, tão brasileira dos brasileiros como a Petrobras, negociada por Getúlio Vargas com os Estados Unidos da América durante a II Guerra mundial, ser vendida por 1,05 bilhões de reais, dos quais 1,01 foram pagos com ‘moedas pobres’ (títulos antigos emitidos pelo governo e que poderiam ser comprados com um deságio de até 50%) vendidas aos seus compradores pelo BNDES (Banco Nacional de desenvolvimento Econômico e Social) com um ativo em caixa maior que o saldo da venda, 0,04 bilhão de real;

A COSIPA (Companhia Siderúrgica Paulista) ser vendida por 300 milhões de reais, só que, o governo ficou responsável por uma dívida de 1,5 bilhão de reais, com o governo paulista adiando o recebimento de uma dívida de 400 milhões de reais em ICM atrasados.

Sem contar a omissão por parte do governo que as metas estabelecidas aos compradores em dezembro de 1988, anunciada pela imprensa, só entrariam em vigor no ano 2000;

Com relação às Companhias de Eletricidade foi vergonhoso. No caso da Light, por exemplo, um agravante, além dos contratos permitirem a má qualidade dos serviços através de interrupções de energias mais prolongadas ou mesmo blecaute (apagões), obteve um empréstimo federal no valor de 730 milhões de reais. Esses contratos foram firmados com todas elas, sem exceção, onde o descumprimento gera uma multa no valor de 1% do faturamento anual. Uma brincadeira! Com isso, os compradores fizeram um ‘giro’ para o pagamento dessas multas e pouco se lixam para o consumidor brasileiro;

Tudo vendido a preços de ‘bananas’, recebendo ‘moedas pobres’ na entrada, taxas de juros irrisórias e em suaves prestações mensais. No caso das Ferrovias, por exemplo, entrada de 10 a 20% do valor total podendo ser pago com ‘moedas pobres’, três anos de carência e mais 30 anos para pagá-las.

Outra canalhice é com relação aos bancos privatizados, onde foi concedida pelo governo a amortização no imposto de renda dos prejuízos sofridos e acumulados nos balanços antes e durante suas privatizações;

A remessa de lucro ao exterior, sede das multinacionais adquirentes de estatais brasileiras, de maneira maciça, como lucros, dividendos, juros ou até mesmo o absurdo dos absurdos, pagamento de ‘assistência técnica’ ou ‘compra de tecnologia’ de suas matrizes.

O governo passou para a população brasileira através da grande mídia, que as estatais sempre dão prejuízos tirando dinheiro da educação, saúde, segurança, transporte, etc., e como que num estalar de dedos, privatizadas além de sanear esses prejuízos, passaria a dar lucro e, consequentemente, pagando mais impostos. Isto é, o Brasil ganharia duas vezes. Outra falácia!

Desde o final da década de 60, do século passado, as estatais foram utilizadas na ‘contenção’ da inflação, em beneficio a setores da economia, inclusive, contratando empréstimos no exterior. Outro detalhe e que houve por parte do governo um enxugamento de pessoal arcando com as despesas de demissões ou de aposentadorias, além dos maiores dos absurdos, o aumento de tarifas determinado pelo governo ao consumidor meses antes das privatizações.

Esse crime de lesa-pátria provocado pelas privatizações iniciadas no governo Fernando Collor de Mello e acentuada no Fernando Henrique Cardoso, tem como modelo o chamado neoliberalismo, cujo ponto de partida se deu com Margaret Thatcher, na Inglaterra. Só que lá, como explica o autor, a privatização não representou a doação de empresas estatais como no Brasil, seu objetivo foi exatamente a pulverização das ações entre os cidadãos ingleses.

O balanço geral das privatizações deixou claro que não reduziram a divida e muito menos o rombo do governo. Isto foi admitido pelo próprio Fernando Henrique Cardoso na Carta que o Ministro Pedro Malan entregou ao FMI (Fundo Monetário Internacional) confessando que o equilíbrio das contas do tesouro ficava mais difícil em função de não mais contar com os lucros que as estatais ofereciam até serem vendidas.
 
Por que o governo Fernando Henrique Cardoso não aceitou a proposta do presidente Itamar Franco, verdadeiro pai do plano real, de privatizar as estatais utilizando-se de ‘moedas sociais’, aquelas que são devidas ao trabalhador brasileiro pelo uso por parte do governo de seu FGTS, Pis/Pasep em financiamento de projetos diversos? O que estaria por trás disso? Leiam os livros PRIVATARIA TUCANA, de Amaury Ribeiro Jr e O PRÍNCIPE DA PRIVATARIA, de Palmério Dória, ambos pela Geração Editorial e encontrarás a resposta.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)