17 de agosto de 2013

Dolores Duran, um recorte biográfico


Adileia da Silva Rocha, terceira dos quatro filhos da dona de casa Josefa Silva da Rocha, dona Zefinha; criada pelo padrasto, Armindo José da Rocha, um sargento da reserva da marinha brasileira, cuja morte em 1942, a fez abandonar os estudos, não concluindo o curso primário, para assumir com a mãe a responsabilidade sobre a família.

Em 1940, com apenas 10 anos de idade, inscreveu-se no programa “Calouros em Desfile” apresentado pelo temível Ary Barroso, autor de “Aquarela do Brasil”, na Rádio Tupi. Diz a literatura, que o dublê de compositor/apresentador cobrava do calouro o título correto da música, o nome do autor ou autores. Adileia atendeu todos os requisitos do apresentador sobre a música “Vereda Tropical”, bolero cantado por ela em português e espanhol. Com graciosidade alcançou o prêmio maior naquele dia, 500 mil réis. Um comentário feito pelo Ary Barroso chamou atenção: “Esse Tiquinho de Gente vai longe, tomem nota”.

Esse Tiquinho de Gente cantava todos os gêneros musicais e em diversos idiomas. Até em Esperanto. Esse Tiquinho de Gente era possuidor de uma inteligência fenomenal. Esse Tiquinho de Gente aprendia tudo sozinha, através de livros ou de conversas com amigos. Esse Tiquinho de Gente durante uma apresentação na boate Baccarat, onde se encontrava presente Ella Fitzgerald, interpretou “My Funny Valentine”, composta por Richard Rodgers e Lorenz Hart, para não levar aqui uma bronca de Ary Barroso “in memorian”.

Conta-se que um calouro no palco da Rádio Nacional foi interpelado por Ary:
_O que o senhor vai cantar?
_Um sambinha, respondeu o candidato.
_Um sambinha? Questionou o apresentador em tom de ironia.
_Sim! Um sambinha insistiu o calouro.
_Qual o nome deste sambinha, perguntou o apresentador.
_ “Aquarela do Brasil”, respondeu.
_Vá lá. Cante esse sambinha, ordenou o apresentador.

Assim que o apresentador caminhava para se retirar do palco eis a desgraça: _ “Brasil. Meu Brasil brasileiro. Meu mulato inzoneiro. Vou cantar-te nos meus Velsos...”. Ary Barroso, compositor da música, voltou quase que em síncope e enxotou o calouro do palco. Resmungando dizia: _Um sambinha. Aquarela do Brasil, um sambinha! Um sambinha de velsos...

Mas voltando à boate Baccarat, no que o “Tiquinho de Gente” terminou de cantar, Ella Fitzgerald não se conteve e de pé afirmou: _Esta foi a melhor interpretação que ouvi dessa música. Página musical que, além dela, Ella Fitzgerald, fora gravada por nomes como Billy Ekcstine, Frank Sinatra, Bill Evans.

My Funny Valentine - Dolores Duran

Aos 12 anos fazia parte do elenco do “Teatro da Tia Chiquinha”, programa de histórias infantis da Rádio Tupi recebendo um módico cachê que o repassava integralmente à sua mãe.

Ao participar de um dos concursos promovidos pelo radialista Renato Murça, “A procura de uma cantora de boleros”, embora não sendo a vencedora do certame, foi convidada por Lauro Pais de Andrade para um teste na boate Vogue, a casa noturna mais sofisticada no Rio de Janeiro. Aquele Tiquinho de Gente cantou em português, inglês, francês, espanhol e encantou. Aprovada, recebeu um contrato de cronner. Nascia ali Dolores Duran.

Numa noite o apresentador César de Alencar encantado com as apresentações daquela menina de 16 anos decidiu levá-la para a Rádio Nacional com um salário de 150 cruzeiros. Mais importante do que aquele salário era a visibilidade que a Rádio Nacional dava aos seus cantores e cantoras.

Conta-se que no Little Club, no Beco das Garrafas, de segunda a quinta-feira um sujeito comparecia para vê-la cantar. Sempre só, bem vestido, sentado bem próximo ao palco, depois de várias doses de um escocês legítimo desprezava o seu silêncio dirigindo-se ao “maitre” ordenando: _Manda a ‘negrinha’ cantar “Menino Grande”. Sempre a mesma justificativa do “maitre” para que o pedido fosse atendido: _Canta! Atende-o. Ele sempre gasta uma nota preta. Mesmo contrariada atendia ao pedido de seu colega de trabalho, Alberico Campana, que mais tarde se tornaria dono do estabelecimento. Um dia “p da vida” reclamou ao Billy Blanco o que acontecia. Billy compôs a música “A banca do distinto” que Dolores passou a cantar todas as noites para o cavalheiro antes de atender seu pedido. No dizer dela não era nem ao menos carinhoso, pois a chamava de “negrinha” ao invés de “neguinha”.

A banca do distinto - Dolores Duran

No amor ninguém nunca se arriscou em identificar esse ou aquele. Casou-se com o ator Macedo Neto em 1955. A impossibilidade da maternidade por parte dela fez com que o casal adotasse uma menina batizada como Maria Fernanda Virgínia da Rocha Macedo. Meses depois, em companhia de Jorge Goulart, Nora Ney, Conjunto Farroupilha, Maria Helena Raposo, Paulo Moura, dentre outros, Dolores Duran partia para uma excursão na URSS e outros países que, para ela representou um desastre. Desentendeu com os companheiros de viagem, reclamou abertamente na embaixada americana das regras estabelecidas pelas autoridades soviéticas, do hotel, da comida, de tudo e de todos. Ao invés de seguir para a China com os outros artistas brasileiros, abandonou a turnê e viajou para Paris, na França. Ao retornar ao Brasil, numa entrevista, detonou: “Gostei do povo. É bom, humilde, simples. Mas as autoridades são horríveis. Tenho pena daquela gente, do povo russo!”. Isto em plena Guerra Fria. Em sua separação compõe sua primeira música com Tom Jobim “Se é por falta de adeus”:

Se é por falta de adeus - Leny Andrade

Outro “caso” foi Nonato Pinheiro, oito anos mais moço. A família dele fez restrições não somente à diferença de idade, Dolores representava tudo o que era rejeitado como esposa pela classe média carioca: mulata e cantora de boate. Alguns amigos dizem que ela o amava, porém, ele amava Dolores Duran, não Adileia da Silva Rocha. A música “A noite do meu bem” foi composta para ele. O maior sucesso de Dolores. Num ensaio para a série “História da Música Popular Brasileira”, a ensaísta Marilena Chauí, escreve: “Dolores convoca na canção o universo para a sua noite como se a ela própria tudo faltasse para enfeitar a chegada desse bem tão demorado”.

A noite do meu bem - Dolores Duran

Um mês depois, na madrugada de 24 de outubro de 1959, após uma apresentação na boate Little Club, saiu com amigos para uma festa no Clube da Aeronáutica. Ao contrário do que muitos de seus biógrafos afirmam Dolores Duran não era uma mulher sofrida, triste, em voltas com crises de melancolia, depressão ou presa a relacionamentos passados. Não tinha o estereótipo de uma mulher com um copo de Uísque em uma das mãos e uma cigarrilha na outra. Era exatamente o contrário. Uma mulher bem-humorada, comunicativa, de boas gargalhadas, de excelente papo. Notívaga, carismática, querida, amada por todos que dela compartilhavam amizade. Chegou ao seu apartamento às 7 horas da manhã. Exausta como sempre, mas feliz. Antes de ir para o quarto fez um pedido a empregada: “Não me acorde, estou muito cansada. Vou dormir até morrer”. E morreu!

Estrada do sol - Elis Regina

Naquele dia o Brasil perdia uma de suas maiores intérpretes e uma de suas maiores compositoras 
A Música Popular Brasileira ficava mais pobre 
Morria aos 29 anos Dolores Duran

Homenagem de Elis Regina a Dolores Duran
La nuit de mon amour
Elis Regina

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