Adileia da Silva Rocha, terceira dos quatro filhos da dona de casa Josefa Silva da Rocha, dona Zefinha; criada pelo padrasto, Armindo José da Rocha, um sargento da reserva da marinha brasileira, cuja morte em 1942, a fez abandonar os estudos, não concluindo o curso primário, para assumir com a mãe a responsabilidade sobre a família.
Em 1940, com apenas 10 anos de
idade, inscreveu-se no programa “Calouros em Desfile” apresentado pelo temível
Ary Barroso, autor de “Aquarela do Brasil”, na Rádio Tupi. Diz a literatura,
que o dublê de compositor/apresentador cobrava do calouro o título correto da
música, o nome do autor ou autores. Adileia atendeu todos os requisitos do
apresentador sobre a música “Vereda Tropical”, bolero cantado por ela em
português e espanhol. Com graciosidade alcançou o prêmio maior naquele dia, 500
mil réis. Um comentário feito pelo Ary Barroso chamou atenção: “Esse Tiquinho
de Gente vai longe, tomem nota”.
Esse Tiquinho de Gente cantava
todos os gêneros musicais e em diversos idiomas. Até em Esperanto. Esse
Tiquinho de Gente era possuidor de uma inteligência fenomenal. Esse Tiquinho de
Gente aprendia tudo sozinha, através de livros ou de conversas com amigos. Esse
Tiquinho de Gente durante uma apresentação na boate Baccarat, onde se
encontrava presente Ella Fitzgerald, interpretou “My Funny Valentine”, composta
por Richard Rodgers e Lorenz Hart, para não levar aqui uma bronca de Ary
Barroso “in memorian”.
Conta-se que um calouro no palco da Rádio Nacional foi
interpelado por Ary:
_O que o senhor vai cantar?
_Um sambinha, respondeu o candidato.
_Um sambinha? Questionou o apresentador em tom de ironia.
_Sim! Um sambinha insistiu o calouro.
_Qual o nome deste sambinha, perguntou o apresentador.
_ “Aquarela do Brasil”, respondeu.
_Vá lá. Cante esse sambinha, ordenou o apresentador.
Assim que o apresentador
caminhava para se retirar do palco eis a desgraça: _ “Brasil. Meu Brasil
brasileiro. Meu mulato inzoneiro. Vou cantar-te nos meus Velsos...”. Ary
Barroso, compositor da música, voltou quase que em síncope e enxotou o calouro
do palco. Resmungando dizia: _Um sambinha. Aquarela do Brasil, um sambinha! Um
sambinha de velsos...
Mas voltando à boate Baccarat, no
que o “Tiquinho de Gente” terminou de cantar, Ella Fitzgerald não se conteve e
de pé afirmou: _Esta foi a melhor interpretação que ouvi dessa música. Página
musical que, além dela, Ella Fitzgerald, fora gravada por nomes como Billy
Ekcstine, Frank Sinatra, Bill Evans.
My Funny Valentine - Dolores Duran
Aos 12 anos fazia parte do elenco
do “Teatro da Tia Chiquinha”, programa de histórias infantis da Rádio Tupi
recebendo um módico cachê que o repassava integralmente à sua mãe.
Ao participar de um dos concursos
promovidos pelo radialista Renato Murça, “A procura de uma cantora de boleros”,
embora não sendo a vencedora do certame, foi convidada por Lauro Pais de
Andrade para um teste na boate Vogue, a casa noturna mais sofisticada no Rio de
Janeiro. Aquele Tiquinho de Gente cantou em português, inglês, francês,
espanhol e encantou. Aprovada, recebeu um contrato de cronner. Nascia ali Dolores Duran.
Numa noite o apresentador César
de Alencar encantado com as apresentações daquela menina de 16 anos decidiu levá-la
para a Rádio Nacional com um salário de 150 cruzeiros. Mais importante do que
aquele salário era a visibilidade que a Rádio Nacional dava aos seus cantores e
cantoras.
Conta-se que no Little Club, no
Beco das Garrafas, de segunda a quinta-feira um sujeito comparecia para vê-la
cantar. Sempre só, bem vestido, sentado bem próximo ao palco, depois de várias
doses de um escocês legítimo desprezava o seu silêncio dirigindo-se ao “maitre”
ordenando: _Manda a ‘negrinha’ cantar “Menino Grande”. Sempre a mesma justificativa
do “maitre” para que o pedido fosse atendido: _Canta! Atende-o. Ele sempre
gasta uma nota preta. Mesmo contrariada atendia ao pedido de seu colega de
trabalho, Alberico Campana, que mais tarde se tornaria dono do estabelecimento.
Um dia “p da vida” reclamou ao Billy Blanco o que acontecia. Billy compôs a
música “A banca do distinto” que Dolores passou a cantar todas as noites para o
cavalheiro antes de atender seu pedido. No dizer dela não era nem ao menos carinhoso, pois a chamava de
“negrinha” ao invés de “neguinha”.
A banca do distinto - Dolores Duran
No amor ninguém nunca se arriscou
em identificar esse ou aquele. Casou-se com o ator Macedo Neto em 1955. A
impossibilidade da maternidade por parte dela fez com que o casal adotasse uma
menina batizada como Maria Fernanda Virgínia da Rocha Macedo. Meses depois, em
companhia de Jorge Goulart, Nora Ney, Conjunto Farroupilha, Maria Helena
Raposo, Paulo Moura, dentre outros, Dolores Duran partia para uma excursão na
URSS e outros países que, para ela representou um desastre. Desentendeu com os
companheiros de viagem, reclamou abertamente na embaixada americana das regras
estabelecidas pelas autoridades soviéticas, do hotel, da comida, de tudo e de
todos. Ao invés de seguir para a China com os outros artistas brasileiros, abandonou
a turnê e viajou para Paris, na França. Ao retornar ao Brasil, numa entrevista,
detonou: “Gostei do povo. É bom, humilde, simples. Mas as autoridades são
horríveis. Tenho pena daquela gente, do povo russo!”. Isto em plena Guerra
Fria. Em sua separação compõe sua primeira música com Tom Jobim “Se é por falta
de adeus”:
Se é por falta de adeus - Leny Andrade
Outro “caso” foi Nonato Pinheiro,
oito anos mais moço. A família dele fez restrições não somente à diferença de
idade, Dolores representava tudo o que era rejeitado como esposa pela classe
média carioca: mulata e cantora de boate. Alguns amigos dizem que ela o amava,
porém, ele amava Dolores Duran, não Adileia da Silva Rocha. A música “A noite do
meu bem” foi composta para ele. O maior sucesso de Dolores. Num ensaio para a
série “História da Música Popular Brasileira”, a ensaísta Marilena Chauí,
escreve: “Dolores convoca na canção o universo para a sua noite como se a ela
própria tudo faltasse para enfeitar a chegada desse bem tão demorado”.
A noite do meu bem - Dolores Duran
Um mês depois, na madrugada de 24
de outubro de 1959, após uma apresentação na boate Little Club, saiu com amigos
para uma festa no Clube da Aeronáutica. Ao contrário do que muitos de seus
biógrafos afirmam Dolores Duran não era uma mulher sofrida, triste, em voltas
com crises de melancolia, depressão ou presa a relacionamentos passados. Não
tinha o estereótipo de uma mulher com um copo de Uísque em uma das mãos e uma
cigarrilha na outra. Era exatamente o contrário. Uma mulher bem-humorada,
comunicativa, de boas gargalhadas, de excelente papo. Notívaga, carismática,
querida, amada por todos que dela compartilhavam amizade. Chegou ao seu
apartamento às 7 horas da manhã. Exausta como sempre, mas feliz. Antes de ir
para o quarto fez um pedido a empregada: “Não me acorde, estou muito cansada.
Vou dormir até morrer”. E morreu!
Estrada do sol - Elis Regina
Naquele dia o Brasil perdia uma de suas maiores intérpretes
e uma de suas maiores compositoras
A Música Popular Brasileira ficava mais
pobre
Morria aos 29 anos Dolores Duran
Homenagem de Elis Regina a Dolores Duran
La nuit de mon amour
Elis Regina
Homenagem de Elis Regina a Dolores Duran
Elis Regina
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