Como deve ser a experiência de gravar
uma música em 1953 e vender 300 mil cópias? Mais ainda, em 1990 esse registro
ultrapassar as 3 milhões de cópias? Assim aconteceu com a guarânia paraguaia ‘Índia’,
composta por H. Gimenez, numa versão para o português de José Fortuna e
Pinheirinho, na voz inigualável de Inhana que, com o marido Cascatinha, formou a dupla Cascatinha e Inhana.
Numa apresentação solo no
programa Viola, minha Viola
apresentado pela Inezita Barroso na TV Cultura, Francisco dos Santos, o Cascatinha, revelou que o seu nome
artístico foi uma herança da infância vivida na Fazenda Cascata, que
presenteava as crianças com uma cachoeira que tomava emprestado o nome da
propriedade no diminutivo, Cachoeira
Cascatinha, e quanto a sua esposa Ana Eufrosina da Silva, ‘inhá’, uma forma de tratamento
respeitoso às mulheres, daí evoluindo para ‘Inhana’.
Ambos do interior do estado de São Paulo, ele de Araraquara, 1919, e ela de
Araras, 1923.
India - Cascatinha & Inhana
Além de cantar canções e valsas românticas, Francisco
dos Santos tocava violão e bateria. Certa feita passou pela cidade um circo, Nova Iorque, que trazia em seu elenco o
cantor Chopp que, numa ‘canja’ entre eles, perceberam que as
vozes acasalavam muito bem, o que os levou à formação da dupla, Chopp & Cascatinha, aliás, o apelido de infância caiu bem para a dupla, uma
vez que ‘Cascatinha’ era o nome de uma renomada cerveja à época. Enquanto isso,
Ana Eufrosina se apresentava como ‘cronner’
em um ‘conjunto musical’ formado
pelos seus irmãos. E foi numa dessas andanças da dupla Chopp & Cascatinha com os circos pelo interior do Estado de São
Paulo que Francisco e Ana se conheceram e casaram em 1941, formando o Trio Esperança com Chopp, Cascatinha & Inhana.
No Rio de Janeiro o Trio Esperança fez relativo sucesso com
apresentações nos programas de César Ladeira (Rádio Mayrink Veiga), Manoel
Barcelos e o famoso ‘Papel Carbono’ de Renato Murce, ambos na Rádio Nacional.
Chegaram a ser premiados por estes programas.
Em 1942, o Trio Esperança se desfaz com a saída de Chopp, o que levou a então dupla Cascatinha & Inhana a se ingressarem no Circo Estrêla D’Alva, fazendo as praças dos estados de São Paulo e
Rio de Janeiro, e, posteriormente, fixando em solo paulista por cinco anos no Circo Imperial.
Em 1942, o Trio Esperança se desfaz com a saída de Chopp, o que levou a então dupla Cascatinha & Inhana a se ingressarem no Circo Estrêla D’Alva, fazendo as praças dos estados de São Paulo e
Rio de Janeiro, e, posteriormente, fixando em solo paulista por cinco anos no Circo Imperial.
No ano de 1947, a dupla se
apresentou na Bauru Rádio Clube, nos programas ‘Luar do Sertão’ e ‘Cirquinho
do Benjamim’. 1948, na Rádio América, na cidade de São Paulo, e, 1950,
contratada pela Rádio Record, ali permanecendo por 12 anos. Em 1951, estreia no
disco pela Todamérica através de uma
versão da canção de Sebastian Yradier, ‘La
Paloma’, 1863, após uma visita do compositor a Cuba. Um sucesso tamanho que
popularizou Havana para o mundo.
Em 1952 aconteceu! A dupla gravou
as guarânias ‘India’ e ‘Meu primeiro amor’, ambas paraguaias.
Nos anos de 1951 e 1953 recebeu o Prêmio Roquette Pinto, entregue aos melhores
profissionais do rádio e da televisão brasileira. Criado em 1950, em suas 26
edições foi comparado em importância ao ‘Oscar’
americano. De longe a melhor premiação brasileira neste viés.
Em 1953 a dupla consagrou-se com
a gravação de ‘mulher rendeira’, folclore
nordestino com o arranjo de João de Barro, que lhe rendeu a ‘Medalha de Ouro’ da Revista Equipe, no ano seguinte, 1954. A
partir de então a dupla focou em polcas e guarânias paraguaias, boleros
mexicanos, composições de Zé Fortuna, Mario Zan até que em 1959, outro
estrondo, ‘Colcha de retalhos’, de
Raul Torres. Ainda líder nas paradas de sucesso com ‘Índia, Meu primeiro amor, Mulher rendeira, Flor serrana, Assuncion,
Queira-me muito, Recordações de Ipacaray, Colcha de retalhos’ explode com ‘Flor do cafezal’, de Carlos Paraná. A
essas alturas, Cascatinha exercia o
cargo de diretor artístico da Todamérica.
A história de Francisco dos
Santos, o ‘cascatinha’, e Ana
Eufrosina na Silva, a ‘Inhana’, no
escrever de um de seus biógrafos é matéria para virar música, poesia, filme,
documentário. “Ele estava em Araras, no interior paulista, se apresentando com
o Circo Nova Iorque, e ela foi assisti-lo. Ela tinha 17 anos, estava noiva, mas
seu destino estava escrito. ‘Quando vi aquele mulato tocando violão, me
apaixonei’, contou ela. O violeiro e a moreninha se casaram cinco meses depois,
no dia 23 de setembro de 1941. Cantaram nos picadeiros de centenas de circos
por todo o país, gravaram 54 discos em 78 rpm e 30 Lps. Venderam milhares de
discos numa época em que vitrola era artigo de luxo. Cantaram o Brasil mulato,
o Brasil caboclo, o Brasil fronteiriço a outros sons e culturas, traduziram a
linguagem rítmica e poética de um país que nos anos 50 vivia um acelerado
processo de urbanização”.
Na entrada da primavera de 1981
estariam completando 40 anos de casados, fruto de um namoro e noivado de cinco
meses. Era véspera do dia dos namorados, 11 de junho. Inhana encontrava-se num salão de beleza se preparando para
comemorar o dia seguinte junto de seu mulato, como ela o chamava carinhosamente,
quando sentiu mal. Não teve jeito, ‘Mas quanta
ilusão! Tudo é solidão, ela já morreu! E a brisa sem dó, apagou no pó, o
rastinho seu’. Versos da canção Che Pycasu Mi gravada pela dupla com o nome
de Solidão.
Solidão (Che Pykasu mi) - Cascatinha & Inhana
Che Pykasu Mi, uma canção de amor
composta na década de 1930, pelo professor, músico, poeta Cecílio Valiente para
sua namorada Luisa Carmona, no lugarejo de Ycuá Mbocaya de Yaguarón, no
Paraguai.
Che Pykasu Mi (letra
em Guarany)
Che pykasu mi reveve vaekué chehegui rehóvo
Oúva ne ange cada pyhare che kéra jopy;
Rohayhúgui ai ajepy’apÿva che ne ra’arôvo,
Michinte jepépa ndaivevuivéi che mba’embyasy
Ne añaitégui ndénte aikóva ko’âicha aikove asy
Jaikóma rire ku juayhu porâme oñondivete;
Resê reveve che rejarei, Che motyre’y
Aico cikorey ndavy’amivéi upete guive.
Cascatinha após a morte de Inhana
tentou a carreira ‘solo’, inclusive
na regravação da música Solidão (Che Pukasu mi) numa homenagem a companheira de
longa caminhada, ‘Tudo se acabou, nada
mais restou neste meu viver. Ela lá no céu e eu andando ao léu sempre a
padecer. Espero, porém, que um dia no além, tornarei lhe a ver. Mas isto será
só quando eu morrer’. E foi. No dia 14 de março de 1996, no Hospital
Beneficência Portuguesa, em São José do Rio Preto, com cirrose hepática, partiu
Francisco dos Santos ao encontro de Ana Eufrosina da Silva, a Inhana.
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