13 de dezembro de 2013

ESQUERDA CAVIAR – A hipocrisia dos artistas e intelectuais progressistas no Brasil e no Mundo - Rodrigo Constantino. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Record. 2013.

Rodrigo Constantino é presidente do instituto Liberal. Formado em Economia pela PUC-Rio, tem MBA de finanças pelo IBMEC e trabalhou no setor financeiro de 1997 – 2013. É autor de sete livros: Prisioneiros da liberdade, Estrela cadente, As contradições e trapalhadas do PT, Egoísmo racional, O individualismo de Ayn Rand, Uma luz na escuridão, Economia do indivíduo e Privatiza já. Foi colunista da revista Voto, do jornal Valor Econômico e do site Ordem Livre por vários anos. É colaborador quinzenal do jornal O Globo e mantém um blog na Veja. É membro fundador do Instituto Millenium e foi o vencedor do Prêmio Libertas em 2009, no XXII Fórum da Liberdade.

Uma questão difícil para os escritores é a dos títulos de suas obras. É a primeira ponte entre o obra e o leitor. Diria sê-lo aquele ‘tchan’ que desperta de cara o interesse. Esquerda Caviar – deixa uma pergunta: o texto acompanhou o título, ou o título acompanhou o texto? Isso pouco importa diriam uns, importa sim, diriam outros. Mas ninguém poderá ao terminá-lo, em sua leitura de 432 páginas, de não admitir que se trate de excelente título ao texto que o segue.

Não existe uma consciência entre o público e o privado no Brasil. Um dos construtores de nossa historiografia, Sérgio Buarque de Holanda, trata desse assunto na década de 1930, do século passado, em ‘O homem cordial’. No contexto da corrupção que deu origem a Ação Penal 470 (Mensalão) o operador do sistema, Marcos Valério, acusa uma dupla sertaneja que fez ‘showmício’ na campanha do PT a presidência de receber pagamentos milionários do partido no exterior. Outro cantor sertanejo conseguiu junto ao Ministério da Cultura autorização para captar 3 milhões de reais com benefícios fiscais para uma turnê comemorativa dos 30 anos de carreira através da Lei Rouanet. Outra cantora teve a mesma autorização para captar 1 milhão de reais para a edição de um blog. Uma casa noturna paulistana utilizando-se a mesma Lei e com autorização do MinC para a criação de um ‘painel artístico de difusão cultural nos segmentos da música, dança e artes cênicas dentro e fora do espaço físico’ a importância de 5 milhões e 700 mil reais. O mesmo ministério aprovou a captação de 2 milhões e 800 mil reais para um desfile de moda em Paris. O autor assevera que ‘a simbiose entre artistas e governo representa uma oportunidade de ouro para muitos’. Como poderão ser críticos do governo? E isso tem seu efeito cascata. Exemplo os 650 mil reais recebidos por uma cantora para a inauguração de um hospital público numa cidade do sertão mesmo antes do mesmo ser concluído. E o qual partido pertencia o então governador. Diz o autor que o livro é uma crítica àqueles que adoram defender Cuba de um luxuoso apartamento em Paris, França. Trata-se de um resgate da chamada ‘esquerda festiva’, no Brasil, nos anos 70 em diante, do século passado. O que o francês chama de ‘radical chique’ e o americano de ‘liberal limusine’. Uma crítica aos intelectuais, jornalistas, artistas e políticos que, sob as benesses do conforto capitalista, apresentam à sociedade um discurso hipócrita e demagógico.
 
O autor é bastante ácido com aqueles que vivem ‘burguesamente’ bem e se propõe a uma pregação coletivista da sociedade como solução para o fim das injustiças sociais. Esta é a chamada Esquerda Caviar : “O sujeito vive bem, tem um carro novo, mora em uma casa legal, percebe a futilidade exacerbada de sua mãe rica, preocupada com a nova bolsa Louis Vitton de US3 mil que sujou um pouco, e vê nas ruas miséria, crianças abandonadas, desgraça atrás de desgraça. Sem compreender muito bem as teorias econômicas, as causas da riqueza, ele desenvolve certa raiva do capitalismo e logo abraça slogans populistas, receitas mágicas, pedindo a intervenção desse ente abstrato que parece um messias salvador: o estado”. Também faz suas incursões no exterior. “Podemos pensar em Deepak Chopra, que chegou a vender um combo que misturava saúde, riqueza e espiritualidade, conquistando pesos-pesados como Demi Moore, Cindy Crawford, Michael Jackson, Steven Seagal e Madona. Quem pode levar a sério a um sujeito que tem um livro chamado As 7 leis espirituais dos super-heróis e outro intitulado Supercérebro: como expandir o poder transformador de sua mente?”

Ao adjetivar a palavra ‘esquerda’ o autor diferencia o que é comumente entendido pela essência Marxista do que os homens fizeram a partir de um matiz, as ideias de Marx, que na visão de Jacques Atali, 'a parte alguns fundadores de religiões, nenhum homem exerceu no mundo uma influência comprovável a que Marx exerceu no século XX’. Só que suas ideias foram objetos de deferentes interpretações e apropriações de maneira tal, que o próprio Marx ao se deparar com essas interpretações e apropriações se disse não marxista. Muito bem coloca sobre esta questão Francisco Buey: ‘ deve-se distinguir o que Marx fez e disse como comunista e o que os outros disseram e fizeram ao longo do tempo em seu nome’. A História de todas as sociedades – inclusive a levada a efeito no livro, que defende o individualismo em detrimento do coletivismo – tem sido a história da luta de classes. Basta tomar às mãos um compêndio de história e ler sobre o seu nascedouro. Li algures que ‘é importante frisar que Marx utiliza comumente o termo ideologia com uma conotação pejorativa. O que existe hoje é o falseamento da realidade, a inclinação dos criadores diante de suas criações, ilusões próprias de todas ideologias que se pretendem universais, mas, que, na realidade representam os interesses particulares de classes sociais, no caso do liberalismo, a burguesia. Marx afirmou que ‘com a transformação da base econômica toda, a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas. Resumo: as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse conflito e conduzem até o fim. Assim como não se julga o que um indivíduo é a partir do julgamento do que ele faz de si mesmo, da mesma maneira, não se pode julgar uma época de transformação a partir de sua própria consciência, ao contrário, é preciso explicar esta consciência e partir das contradições da vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas, sociais e a relação de produção’.

Uma pergunta que não quer calar: a ‘burguesia caviar’ objeto de crítica do autor serve a quem? Um professor meu de Produção Historiográfica Mundial definiu escrevendo: ‘Com o desenvolvimento das sociedades capitalistas modernas, ocorreu um aprofundamento sem precedentes da divisão social do trabalho que encontra seu ápice na cisão entre o trabalho intelectual e trabalho manual. A tarefa de produzir conhecimento, o ato de pensar passou a ser ‘função privilegiada’ de um segmento da elite, enquanto o trabalho manual assumiu nitidamente uma conotação de inferioridade em relação à produção intelectual’, daí segundo Buey, ‘surgirem as ideologias profissionais. A ideologia se torna explícita e consciente. E, assim, também se particulariza o sentido concreto em que nessas sociedades as ideologias representam as ilusões que a classe hegemônica faz de si mesma e do seu papel no mundo’. Freud explica!


Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)